Gravação Ambiental E A PROVA ILÍCITA

Em suma, captação ambiental de conversa não sigilosa, seja mediante interceptação, escuta ou gravação, não constituirá prova ilícita, por inexistir ofensa à intimidade. Em se tratando de conversa sigilosa, havendo autorização judicial também estaremos diante de uma prova lícita. Finalmente, na hipótese de captação de conversa sigilosa sem autorização judicial, a prova, a princípio, será ilícita, mas nada impede seu aproveitamento, dependendo da proporcionalidade dos valores em contraste.

 

  1. A interceptação telefônica há três protagonistas: dois interlocutores e o interceptador, que capta a conversação sem consentimento daqueles.
  2. Na escuta telefônica há também dois interlocutores e um interceptador, só que um daqueles tem conhecimento do fato.
  3. Na gravação clandestina há só dois comunicadores, sendo que um deles grava a conversação.

 

A Lei n. 9.296/96 é aplicável às duas primeiras formas de interceptação. Não, porém, à terceira. No sentido de que é admissível como prova a gravação efetuada por um dos interlocutores: STJ, RHC 5.944, 6ª Turma, RT 742/574; TACrimSP, RHC 1.077.833, 16ª Câm., j. 6.11.97, RT 750/655; STJ, RHC 7.216, 5ª Turma, Rel. Min. Édson Vidigal, DJU 25.5.98, p. 124 e 125; STF, HC 75.338, Plenário, Rel. Min. Nélson Jobim, DJU 25.9.98, p. 11; TJSP, HC 287.393-3/8, 6ª Câm. Crim., 22.7.99, RT 769/583; STJ, RHC 10.534, 5ª Turma, DJU 11.10.2000; STF, Rext 271.707, DJU 6.12.2000, p. 51. Ainda que seja realizada por terceiro a mando de um dos interlocutores: STF, HC 75.338, Plenário, Rel. Min. Nélson Jobim, DJU 25.9.98, p. 11; STJ, HC 14.336, 5ª Turma, DJU 18.12.2000, p. 224.

 

A jurisprudência entende que não age ilicitamente, encontrando-se acobertado por excludente da antijuridicidade, quem, para provar a própria inocência, grava conversação com terceiro (RJTJSP 138/26). Recentemente o STJ entendeu que “não há qualquer violação constitucional ao direito de privacidade quando a vítima grava diálogo com qualquer tipo de criminoso” (RHC 10.429, DJU 20.8.01, p. 499)

 


 

 

Interceptação telefônica. Conceito. Indaga-se qual seria o alcance do termo interceptação. Interceptação provém de interceptar – intrometer, interromper, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcançando a conduta de terceiro que, estranho à conversa, se intromete e toma conhecimento do assunto tratado entre os interlocutores. Para fins de considerar a prova como ilícita, a doutrina tem classificado as interceptações telefônicas do seguinte modo:

 

    a) interceptação telefônica em sentido estrito: consiste na captação da conversa telefônica por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores (é o chamado “grampeamento”);

 

    b) escuta telefônica: é a captação da conversa com o consentimento de apenas um dos interlocutores (a polícia costuma fazer escuta em casos de sequestro, em que a família da vítima geralmente consente nessa prática, obviamente sem o conhecimento do sequestrador do outro lado da linha). Para Vicente Greco Filho “a lei não disciplina a interceptação (realizada por terceiro), mas com o consentimento de um dos interlocutores” (Interceptação telefônica, cit., p. 5-6)34.;

 

    c) interceptação ambiental: é a captação da conversa entre presentes, efetuada por terceiro, dentro do ambiente em que se situam os interlocutores, sem o conhecimento por parte destes;

 

    d) escuta ambiental: é a interceptação de conversa entre presentes, realizada por terceiro, com o conhecimento de um ou alguns;

 

   e) Gravação clandestina: é a praticada pelo próprio interlocutor ao registrar sua conversa (telefônica ou não), sem o conhecimento da outra parte.

 

A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente, quando constitui exercício de defesa” (Ag. Reg. no Ag. de Instrumento 503.617-PR, 2.ª T., rel. Carlos Velloso, 01.02.2005, v.u., DJ 04.03.2005, p. 30). Idem: RE 402.035-SP, 2.ª T., rel. Ellen Gracie, 09.12.2003, v.u., DJ 06.02.2004, p. 50. STJ: “É pacífico, neste Superior Tribunal e no Pretório Excelso, que a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, com o objetivo de preservar-se diante de investida ilícita, prescinde de autorização judicial. (RHC 229156/PR, 6.ª T., rel. Maria Thereza de Assis Moura, 19.06.2012, v.u.).

 

Gravaçõesde conversas por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal, máxime se a ela se agregam outros elementos de prova. Pelo princípio da proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade” (HC 33.110-SP, 5.ª T., rel. José Arnaldo da Fonseca, 27.04.2004, v.u., DJ 25.05.2004, p. 318). “De acordo com a jurisprudência dominante, a gravação realizada por um dos envolvidos nos fatos supostamente criminosos é considerada como prova lícita, ainda mais porque serve de amparo da notícia sobre o crime de quem a promoveu. Inocorre o dito flagrante preparado, quando o próprio acusado é quem conduz o ato delituoso, não sendo, portanto, induzido por qualquer ação da vítima” (RHC 14.041-PA, 5.ª T., rel. José Arnaldo da Fonseca, 20.11.2003, v.u., DJ 09.12.2003, p. 296). TRF-4.ª Região: “Pacificado é o entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro não é, para fins penais, considerada prova ilícita. Não tendo o colóquio o caráter de sigilosidade, pode ser registrado sem que um dos participantes tenha conhecimento de tal, autorizando-se a utilização desta prova, lícita, em qualquer processo” (HC 0014689-51.2010.404.0000 - PR, 8.ª T., Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, 04.06.2010, v.u.). 

 


 

 

 

A GRAVAÇÃO MERAMENTE CLANDESTINA NÃO VIOLA A INTIMIDADE DA AUTORA-RECONVINDA, OU OUTROS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDOS, NÃO HAVENDO QUE SE FALAR EM ILICITUDE DA PROVA, OU OFENSA AO ARTIGO 5º, LVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

ESSA É A ATUAL E FIRME ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “1. É PACIFICO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF O ENTENDIMENTO DE QUE NÃO HÁ ILICITUDE EM GRAVAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO, PODENDO ELA SER UTILIZADA COMO PROVA EM PROCESSO JUDICIAL. 2. O STF, EM CASO ANÁLOGO, DECIDIU QUE É ADMISSÍVEL O USO, COMO MEIO DE PROVA DE GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO (RE 583937 QO RG, RELATOR MIN. CEZAR PELUSO, DJE DE 18-12-2009). 3. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (2ª TURMA - AI 602724 AGR- SEGUNDO/PR - RELATOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - J. EM 06/08/2013).

E AINDA: “A GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES, SEM CONHECIMENTO DO OUTRO, QUANDO AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO OU DE RESERVA DA CONVERSAÇÃO NÃO É CONSIDERADA PROVA ILÍCITA” (2ª TURMA - AI 578858 AGR/RS - RELATORA MINISTRA ELLEN GRACIE - J. EM 04/08/2009).  Apelação Cível nº 0001465-64.2011.8.26.0291 – São Paulo, 12 de maio de 2015.

 

“Não se deve confundir interceptação das comunicações telefônicas com gravações. Se numa conversa telefônica entre duas pessoas, um dos interlocutores procede à gravação, não comete crime.” (Tourinho Filho, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo, Saraiva, 2012. p. 572)

 

GRAVAÇÃO DE CONVERSA, TELEFÔNICA OU AMBIENTAL, POR UM DOS INTERLOCUTORES, SEM CONHECIMENTO DO OUTRO: PROVA VÁLIDA. NESSE SENTIDO: “1. A GRAVAÇÃO AMBIENTAL MERAMENTE CLANDESTINA, REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES, NÃO SE CONFUNDE COM A INTERCEPTAÇÃO, OBJETO CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE RESERVA DE JURISDIÇÃO. 2. É LÍCITA A PROVA CONSISTENTE EM GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES, SEM CONHECIMENTO DO OUTRO, SE NÃO HÁ CAUSA LEGAL ESPECÍFICA DE SIGILO NEM DE RESERVA DA CONVERSAÇÃO. PRECEDENTES.” (REIS, ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO. DIREITO PROCESSUAL PENAL ESQUEMATIZADO. SÃO PAULO: SARAIVA, 2014. P. 248)

NO QUE SE REFERE À INTERCEPTAÇÃO, COMO BEM OBSERVOU O DOUTO MAGISTRADO, O CASO DOS AUTOS CUIDA DE CONVERSA GRAVADA PELO PRÓPRIO INTERLOCUTOR (POLICIAL) COM O RÉU E NÃO DE UM TERCEIRO GRAVANDO A CONVERSA DE DOIS INTERLOCUTORES DA LIGAÇÃO, HIPÓTESE ESTA, SIM, DEPENDENTE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NESSE SENTIDO É A ORIENTAÇÃO DA MAIS ABALIZADA DOUTRINA: “... A GRAVAÇÃO UNILATERAL FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES COM O DESCONHECIMENTO DO OUTRO, CHAMADA POR ALGUNS DE GRAVAÇÃO CLANDESTINA OU AMBIENTAL (NÃO NO SENTIDO DE MEIO AMBIENTE, MAS NO AMBIENTE), NÃO É INTERCEPTAÇÃO E NEM ESTÁ DISCIPLINADA PELA LEI COMENTADA E, TAMBÉM, INEXISTE TIPO PENAL QUE A INCRIMINE.” (VICENTE GRECCO FILHO INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996 EDITORA SARAIVA, 2ª EDIÇÃO, PÁGS. 07/08).  Apelação nº 0004676-34.2013.8.26.0196 – São Paulo, 26 de fevereiro de 2015.

 


A interceptação e gravação ambiental não constituem objeto da Lei n. 9.296/96. Interceptação ambiental é a captação da conversa entre dois ou mais interlocutores, por um terceiro que esteja no mesmo local ou ambiente em que se desenvolve o colóquio. Escuta ambiental é essa mesma captação feita com o consentimento de um ou alguns interlocutores. A gravação é feita pelo próprio interlocutor. Se a conversa não era reservada, nem proibida a captação por meio de gravador, por exemplo, nenhum problema haverá para aquela prova. Em contrapartida, se a conversação ou palestra era reservada, sua gravação, interceptação ou escuta constituirá prova ilícita, por ofensa ao direito à intimidade (CF, art. 5º, X), devendo ser aceita ou não de acordo com a proporcionalidade dos valores que se colocarem em questão.

 


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. OS TRIBUNAIS SUPERIORES POSSUEM ENTENDIMENTO UNÍSSONO QUANTO À LICITUDE DA GRAVAÇÃO CLANDESTINA, CONSUBSTANCIADA NO REGISTRO DA CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES, AINDA QUE O OUTRO INTERLOCUTOR NÃO TENHA CONHECIMENTO DE SUA OCORRÊNCIA, DESDE QUE O CONTEÚDO CAPTADO CLANDESTINAMENTE NÃO SEJA SECRETO (DIGA RESPEITO À PRIVACIDADE DOS INTERLOCUTORES) NEM HAJA OBRIGAÇÃO LEGAL DE GUARDAR SIGILO. PRECEDENTE: RHC 19.136/MG, REL. MIN. FELIX FISCHER, DJ 14.05.2007, P. 332. (AGRG NO ARESP 135384 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0003626-6) QUANDO A GRAVAÇÃO SE REFERE A FATO PRETÉRITO, CONSUMADO E SEM EXAURIMENTO OU DESDOBRAMENTO, DANOSO E FUTURO OU CONCOMITANTE, TEM-SE, NORMALMENTE E EM PRINCÍPIO, A HIPÓTESE DE VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE. TODAVIA, DEMONSTRADA A INVESTIDA CRIMINOSA CONTRA O AUTOR DA GRAVAÇÃO, A ATUAÇÃO DESTE - EM RAZÃO, INCLUSIVE, DO TEOR DAQUILO QUE FOI GRAVADO - PODE, ÀS VEZES, INDICAR A OCORRÊNCIA DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE (A PAR DA QUAESTIO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE). A INVESTIDA, UMA VEZ CARACTERIZADA, TORNARIA, DAÍ, LÍCITA A GRAVAÇÃO (PRECEDENTE DO PRETÓRIO EXCELSO, INCLUSIVE, DO C. PLENÁRIO). POR OUTRO LADO, REALIZADA A GRAVAÇÃO ÀS ESCONDIDAS, NA RESIDÊNCIA DO ACUSADO, E SENDO INVIÁVEL A VERIFICAÇÃO SUFICIENTE DO CONTEÚDO DAS DEGRAVAÇÕES EFETUADAS, DADA A IMPRESTABILIDADE DO MATERIAL, SEM O EXATO DELINEAMENTO DA HIPOTÉTICA INVESTIDA, TAL PROVA NÃO PODE SER ADMITIDA, PORQUANTO VIOLADORA DA PRIVACIDADE DE PARTICIPANTE DO DIÁLOGO (ART. 5º, INCISO X, DA CF). APN 479 / RJ AÇÃO PENAL 2005/0132002-3

 



 

 

 

Referências Consultadas:

 

  1. Capez, Fernando. Curso de processo penal  – 21. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. P.303;
  2. Jesus, Damásio de.,  Código de processo penal anotado – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012. p. 173;
  3. Nucci, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado – 13. ed. rev. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2014, P.450;
  4. Tourinho Filho, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo, Saraiva, 2012. p. 572;
  5. de Lima, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª ed. rev. amp. atual. Editora Jus Podivm. 2015. p. 135
  6. Apelação Cível nº 0001465-64.2011.8.26.0291 – São Paulo, 12 de maio de 2015;
  7. Apelação nº 0004676-34.2013.8.26.0196 – São Paulo, 26 de fevereiro de 2015;
  8. Agrg No Aresp 135384 / Rs Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial 2012/0003626-6;
  9. Apn 479 / Rj Ação Penal 2005/0132002-3.

 

 

 

 

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